Quando estimuladas, crianças desenvolvem o gosto pelo hábito da leitura

domingo, 14 de junho de 2009

Publicação: 14/06/2009 10:01 Atualização: 14/06/2009 10:07
Era uma vez um lugar onde os principais leitores eram crianças e seus escritores favoritos contavam histórias sobre uma boneca de pano falante (Sítio do Pica-Pau Amarelo) ou as aventuras de um garoto endiabrado (O Menino Maluquinho). Parece distante? Não precisa ser. No Jardim de Infância da 308 Sul, isso já é realidade. Pelo menos duas vezes por dia, as crianças ouvem histórias contadas pelas professoras e, apesar de ainda não saberem juntar as letrinhas, levam livros para casa toda quarta-feira e só os devolvem na sexta.

Nesses dois dias de empréstimo do acervo da escola, elas aprendem a cuidar dos livros, ensaiam os primeiros movimentos da paixão pelas narrativas e instigam a família a participar da vida escolar dos pequenos alunos. Os pais de Rafael Emídio, de 4 anos, por exemplo, leem frequentemente histórias do Homem Aranha e do Batman para o garoto. “São as minhas favoritas, porque quando eu crescer vou ser super -herói”, garante ele.

A experiência da escola com a Biblioteca Corujinha — batizada por um aluno da alfabetização — já existe há 15 anos. De lá para cá, muitos leitores foram formados. “Quanto antes a gente começa a incentivar a leitura, melhor, porque os mais novos estão mais abertos à fantasia”, observa a diretora da escola e responsável pelo projeto, Maria Velderez Moraes.

Não é apenas a diretora que defende a iniciação precoce da leitura. Catarina Pereira Andrade, de 4 anos, não sabe ler. Mas adora levar para casa os livros da Branca de Neve. No primeiro contato com a Biblioteca Corujinha, acabou danificando as páginas. Hoje, três meses depois, folheia o livro com carinho e atenção e aprendeu a “ler” os desenhos. Tanto que é capaz de contar a história toda misturando imaginação e interpretação. “Nos primeiros contatos, é normal que os alunos risquem as páginas ou até rasguem um pedacinho do livro. Poucos dias depois, já se criou uma relação de amor. Foi isso que aconteceu com Catarina”, observa a professora Kátia Falco.

Catarina não sabe, mas, além do incentivo à leitura e à criatividade, a prática de contar histórias aumenta o repertório verbal e o nível de participação dos alunos em sala de aula e melhora a capacidade de escuta e atenção. “A história transmite valores éticos, sedimenta conhecimento e aconselha”, afirma a psicóloga Beatriz Lima Silva.

O Correio ouviu especialistas e professores para ajudar a desenvolver o hábito de leitura da garotada. E todos alertam: quanto antes começar o contato com as histórias, maior a capacidade de argumentação e de interpretação desenvolvida.

As narrativas sobre princesas, heróis e outras fantasias mexem com o imaginário da turminha e ajudam a desenvolver o hábito da leitura. “Ao entrar no universo infantil, o adulto fascina a criança”, observa a pedagoga Maria Machado Campos. Elas adoram ouvir histórias. Ficam na expectativa de saber se a princesa de cabelos dourados vai fugir da torre. Torcem pelos irmãos que enfrentam a bruxa malvada. “Os pais deveriam ler sempre para os filhos”, completa. Pesquisa recente do Observatório do Livro e da Leitura (OLL) mostra que as crianças leem muito no Brasil: 6,9 livros por ano, na faixa entre cinco e dez anos, e 8,5 livros por ano, entre 11 e 13 anos. (veja arte)

Robson Coelho Tinoco, doutor em literatura brasileira e professor do Departamento de Teoria Literária e Literatura da Universidade de Brasília (UnB), destaca que o incentivo deve vir de casa, primeiramente. “A criança que cresce em um ambiente em que os pais leem tende, naturalmente, a ter uma relação com a leitura mais natural, aproximada de seu dia a dia, em que o objeto livro passa a ser tão rotineiro como, por exemplo, sua bola, a boneca, a televisão da casa, o animal de estimação”, observa. “O segredo, pois, é o que o livro não possua, para a criança, essa aura imaculada de objeto raro, intocável, quase invisível.”
O interesse de cada um

# Até os 3 anos, a garotada assimila melhor enredos
com crianças, bichinhos, brinquedos ou animais
com características humanas, ou seja, que falam e têm sentimentos.

# Dos 3 aos 6 anos, as histórias devem abusar da fantasia com reviravoltas no enredo e também de crianças ou animais como personagens. Os contos de fada são imbatíveis.

# Aos 7 anos, leia aventuras em ambientes conhecidos, como a escola, o bairro, a família. As fábulas continuam em alta.

# Aos 8 anos, as fantasias mais elaboradas (Mágico de Oz, Alice no País das Maravilhas, Harry Potter) são ideais.

# A partir dos 9 anos, histórias de explorações, viagens,
invenções e enredos humorísticos prendem
a atenção, assim como os contos de mitos e lendas.

Fonte: Vania Dohme, no livro Técnicas de Contar Histórias

Mais velhos leem menos

Quanto mais velhos os brasileiros, menor o gosto pela leitura. De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada no ano passado, que ouviu 5.012 pessoas no país, as crianças são as que mais leem e os idosos são os que menos passam tempo com as histórias. Para se ter uma ideia, os entrevistados com mais de 70 anos admitiram ler, em média, 1,3 livro por ano.

Além disso, segundo o estudo pelo Observatório do Livro e da Leitura, dois em cada três leitores se recordam dos pais ou adultos envolvidos com livros em casa quando ainda eram crianças.

Na mesma proporção, quem não tem essa lembrança da infância também não desenvolveu o hábito. No perfil também fica claro a importância do maior poder aquisitivo entre os leitores. Quase 80% deles têm formação e ganham mais de 10 salários mínimos. Nada menos que 75% da classe A e 74% da classe B disseram ter hábito da leitura.

Preço alto
Robson Coelho Tinoco, doutor em literatura brasileira e professor do Departamento de Teoria Literária e Literatura da Universidade de Brasília, lembra que, comparado ao preço de um litro de leite, ao de 10 pãezinhos franceses e até mesmo ao valor do salário mínimo, um livro custa caro, ainda que seja alta a produção nacional.

“Para se ter uma ideia, em 1998 gastou-se por volta de US$ 1,81 bilhão de dólares na aquisição de livros, com 20% desse montante sendo feito por governos municipais, estaduais e federal; em 2000, gastou-se US$ 2,06 bilhões na aquisição de 334 milhões de livros, com 40% de compras governamentais”, cita.